Também é previsível que setores ligados ao mercado
financeiro tenham pressa de que a reforma passe rapidamente e, de preferência,
sem discussão, dado que serão os grandes beneficiários do sistema de
capitalização das contribuições dos trabalhadores (lembremos que o modelo
proposto por Paulo Guedes e Bolsonaro equivale a uma poupança forçada cujo
recolhimento é mensalmente descontado do trabalhador em favor de alguns
conglomerados econômicos). Para que se tenha uma dimensão do tamanho da
motivação do sistema financeiro (ressalvando que há muita diferença entre a
realidade brasileira e a chilena), atualmente, no Chile, o valor dos depósitos
em fundos privados de pensão equivale a cerca de 83% do PIB chileno, podendo
chegar a 95% se considerados os valores geridos por seguradoras.
Como militar que foi, talvez o Presidente tenha pensando em
aplicar a estratégia de cercar o inimigo e cortar o abastecimento de
suprimentos. Deixar o inimigo enfraquecido, debilitado, fracionado a ponto de
causar deserções, etc. Porém, uma estratégia como tal é manifestamente
inconstitucional, tanto no seu procedimento (ausência de urgência que
justifique uma Medida Provisória) como no seu conteúdo, pois:
·
O contracheque e o vencimento são de propriedade
do trabalhador, podendo ele dispor sobre os descontos que deseja fazer;
·
Ao se filiar a um sindicato, o trabalhador
autoriza este desconto, ou seja, ele manifesta sua liberdade de associar-se.
Esta liberdade de associação não pode ser restringida por terceiros,
principalmente – no caso do servidor federal – pelo próprio patrão (União);
·
É vedada a intervenção estatal na organização
sindical;
·
A representação sindical deve ser protegida e
não restringida (convenções 87 e 151 da OIT, dentre outras).
Por último, e não menos importante: a suspensão dos
descontos sobre os salários, vencimentos e proventos de trabalhadores privados
e públicos que espontaneamente se filiam a um sindicato representativo termina
por privilegiar justamente os “sindicatos laranjas”, (normalmente sem
trabalhadores filiados, ou filiados à força pelo próprio patrão) mas que agem a
partir de uma “carta sindical” cuja concessão estatal, por vezes, é de duvidosa
moralidade e legalidade . Parece-nos, portanto, que a MP 873 se soma à série de
“medidas de mordaça” do atual governo e sua base de apoio, que, tentando
esvaziar financeiramente seus opositores e calar-lhes a boca, desvia o foco da
gravidade da proposta de reforma previdenciária pretendida.