Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo.
Quando pergunto porque eles são pobres,
chamam-me de comunista”
(Dom Helder Câmara)
O texto que compartilho com vocês é resultado da minha participação no seminário “Retrocessos e consequências da reforma do ensino médio e BNCC para a educação básica no Brasil”, realizado na cidade de São Paulo, entre os dias 27 e 28 de novembro de 2018. Todos aqueles que citarei aqui, foram palestrantes no referido evento.
Esse seminário abriu espaço para debatermos temas caros a construção de uma educação pública e de qualidade no Brasil. O cenário desenhado nesse evento foi sombrio, houve consenso em dizer que há uma onda conservadora sendo surfada por empresários neoliberais que planejam políticas educacionais e desejam que o Estado às execute. Dentro desse projeto de educação com princípios econômicos neoliberais, que é um projeto global, temos um cabedal de maldades que incluem: escola sem partido, militarização das escolas, privatizações, parcerias público-privadas, distribuição de vouchers e currículos orientados exclusivamente para necessidades do mercado. Vamos explorar algumas ideias.
No que diz respeito a reforma do ensino médio, o seminário apontou pontos para ficarmos atentos:
- Seu objetivo principal é formar mão de obra;
- Está voltada para lógica do mercado;
- Culpabiliza o aluno pelo seu fracasso;
- Facilita parcerias público-privadas;
- Retira o papel educativo da escola;
- Desqualifica o papel do professor;
A questão da nova BNCC também traz mudanças significativas que significam profundos retrocessos, entre eles destacamos:
- nega a diversidade de gênero;
- nega direito dos indígenas, quilombolas e pessoas com necessidades especiais;
- nega o trabalho do professor como intelectual orgânico;
- nega as contradições do capitalismo;
Essas são questões pontuais, a ponta do iceberg. Precisamos olhar com mais atenção para compreender o que está por trás desse cenário sombrio. A principal forma de resistência, na opinião do cientista político Dr. Combertty Rodriguez (IEAL1) é estudarmos, lermos, pesquisarmos e entendermos como esse processo global de privatização funciona, é preciso dizermos quem são e o que querem os grupos empresariais no Brasil para criamos a melhor forma de enfrentamento. O prof. Dr. Combertty, em sua fala, nos deu alguns nortes interessantes, falou do movimento “Todos pela educação2” que representa uma estrutura de empresários propondo políticas educativas tendo o MEC como facilitador e legitimador de suas ações. Essa lógica, segundo o professor, está para além do Brasil, encontra-se naturalizada em toda América Latina. O que está em processo é um controle cultural através da disciplina social. Há documentos oficiais3 da UNESCO sugerindo associações público-privadas para o avanço da educação em países em desenvolvimento e mesmo o Banco Mundial já se posicionou nesse debate, podemos encontrar com facilidade na internet o documento intitulado “Professores Excelentes4”, onde vemos uma clara apologia do Banco Mundial ao projeto “escola sem partido”.
O professor da UNICAMP, Dr. Luiz Carlos de Freitas5, corrobora com essa tese, para ele o poder econômico sequestrou a democracia, os empresários tomaram os governos. Esse é um projeto global de poder que passa pela educação. Por trás dessa construção há uma ideologia chamada “liberalismo econômico”, precisamos ler e estudar os economistas para compreender e desconstruir essa ideia. Segundo Freitas, há uma contradição dentro do próprio neoliberalismo, pois, em curto prazo ele funciona, porém em longo prazo não estabelece desenvolvimento sustentável e não combate as contradições. É um modelo fadado ao fracasso! Para o professor a tese central desse modelo econômico é simples, “deixem o mercado livre e tudo ficará bem”. Por isso liberais econômicos não gostam de sindicato, pois para eles o mundo melhora se ninguém atrapalhar o mercado. E sindicatos atrapalham o jogo.
As ideias desse liberalismo econômico encontraram apoio na parcela mais conservadora da sociedade brasileira. Temos hoje uma mistura de liberalismo econômico e conservadorismo social que se projeta na escola através da “escola sem partido”, por um lado, e da reforma empresarial, por outro. O modelo empresarial é voltado para: padronização, habilidades básicas (português e matemática), inovação do mundo empresarial (empreendedorismo), responsabilização baseada em testes, maior controle da escola com uma ideologia de livre mercado (os pais escolhem o “melhor” serviço), terceirização das escolas, parcerias público-privadas, distribuição de vouchers, e por aí vai... o prof. Dr. Freitas ressalta que tudo isso já foi testado nos EUA, Chile, Inglaterra e que há inumas pesquisas afirmando o fracasso desse modelo. O que a reforma proclama? Melhor desempenho. O que a reforma oculta? Controle político-ideológico da escola, através do poder econômico das corporações, ONGs, fundação de empresários, filantropia e outros mecanismos legais. Esse pensamento neoliberal não parte de conhecimentos científicos acumulados ao longo da história, para o professor Dr. Freitas esse neoliberalismo econômico é pura fé, “é a crença que deixando o mercado livre, tudo vai melhorar”.
Neoliberalismo é apenas uma ideia. Uma ideia difundida pela “elite do atraso6”, pontuou Jessé Souza em sua palestra. As ideias precisam ser percebidas, afirma Jessé, pois elas definem o comportamento humano, uma luta política é uma luta pela hegemonia das ideias. Por isso um projeto de escola libertadora é crucial para construção de um Brasil verdadeiramente democrático, precisamos de uma voz forte que supere a imprensa elitista que difunde ideias que emburrecem o povo. A revolução através da educação passa por uma escola onde o pobre rompe com as ideias que a elite inventou para subjuga-lo. Nesse cenário sombrio o campo de batalha perpassa o mundo das ideias. Precisamos compreender a complexidade do que está acontecendo, nosso arsenal deve passar pela capacidade de argumentação e convencimento sobre a importância de uma escola de qualidade e de uma educação libertadora. O primeiro passo é que nossos professores e professoras se tornem resistência, esse não é um processo fácil, pois demanda tempo, leitura e estudo, é preciso compreender primeiro quais são as ideias e a quem elas servem, para depois nos posicionarmos.
NOTAS:
1
http://www.ei-ie-al.org/. Internacional da Educação (América Latina) é uma federação de sindicatos da educação. Representa mais de 30.000.000 de docentes, trabalhadores e trabalhadoras da educação.
2
https://www.todospelaeducacao.org.br/. Movimento Todos Pela Educação foi criado em 2005, por um grupo de líderes empresariais no momento em que a valorização da educação escolar começou a se tornar uma importante referência de formação e valores sociais das futuras gerações de trabalhadores brasileiros.
3
http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002457/245745POR.pdf Relatório de monitoramento global da educação – Resumo. 2016. Educação para as pessoas do planeta: criar futuros sustentáveis para todos.
4
https://goo.gl/U1PPna Documento: Professores excelentes: como melhorar a aprendizagem dos estudantes na América Latina e no Caribe.
5
https://scholar.google.com.br/citations?user=6D237JwAAAAJ Acesso as publicações do professor Luiz Carlos de Freitas.
6
https://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/download/34937/24903 Resenha sobre o livro de Jessé Souza: “A elite do atraso – da escravidão à lava jato”.